Título: O jabá: do “caititu” ao marketing
OTAVIO AUGUSTO ROCHA
RESUMO
Este trabalho busca descrever a prática que recebeu o rótulo de jabá, entendida como um item das relações estabelecidas entre as rádios, gravadoras e os artistas, de maneira que um determinado artista tenha sua música executada maciçamente. Como relações econômicas, pessoais, educativas, financeiras, formais e informais se articulam na formação do mercado fonográfico brasileiro.
Jabá é um diminutivo de jabaculê, que significa gorjeta, propina, dinheiro - e grosso modo, acontece quando um radialista, apresentador ou uma emissora de rádio ou televisão recebe informalmente dinheiro, presentes ou favores, de forma direta ou indireta para em troca, executar alguma música
A hipótese aqui proposta é que inicialmente, essa prática tinha um caráter informal, entre indivíduos, e com o desenvolvimento da indústria do entretenimento tornou-se uma ação mais institucionalizada, ainda que tenham se mantidas as necessidades de se cultivarem relações pessoais para o funcionamento do processo.
Embora seja uma prática não oficial que vem ocorrendo no Brasil há muito tempo, o jabá continua sendo algo pouco conhecido. As pessoas e instituições envolvidas negam a sua prática, muitas vezes chamando-a eufemisticamente de “verbas de divulgação”1. Os profissionais da área musical sabem da sua existência, mas sendo ou não beneficiados pela sua prática, agem como se esta acontecesse em uma outra dimensão. Como diz Márcia Tosta Dias,em seu trabalho sobre o funcionamento da indústria fonográfica brasileira, “Mesmo a imprensa não costuma tratar do assunto freqüentemente, talvez porque o jabá seja prática própria a toda indústria cultural”2.
É um tema ainda nebuloso, primeiro pela característica de ser uma prática informal e até certo ponto condenável (pois resumidamente, tira do mercado musical um dos princípios básicos das economias liberais, ou seja, o direito a livre concorrência) o que implica uma certa “lei do silêncio” entra as partes envolvidas; em segundo lugar, pela pouca quantidade de material científico relacionado ao tema, o que dificulta ainda mais qualquer tentativa de análise dos processos e relações pessoais envolvidos na prática do jabá.
O termo "jabaculê" começa a aparecer nos dicionários oficiais da língua portuguesa a partir de meados dos anos 70, sendo que o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de 1975, define esta prática como “suborno, dinheiro com que se compra um jogador adversário". Assim, ainda que com finalidades distintas, o termo se refere sempre a algum tipo de atividade escusa, irregular ou antiética, que envolva alguma forma de negociação não oficial.
Nos anos iniciais da formação da industria fonográfica, das rádios e portanto da formação do mercado de música no Brasil, o jabá ainda não existia com as características que viria a adquirir mais tarde; o que havia então era a prática definida como caitituagem, uma ação realizada pelos chamados caititus, que está descrito no dicionário Aurélio de 2002 como: "pessoa que por meio de visitas, insistência verbal, distribuição gratuita de discos e partituras, e até pelo suborno, busca promover, em lojas de discos, estações de rádio, estações de televisão, festas de clubes, etc., a execução de composições musicais (populares) suas ou de outrem."
Além disso, é importante salientar que não se deve reduzir o jabá a uma prática uniforme, uma vez que qualquer generalização de conceitos não engloba as possíveis variações existentes dentro daquele universo. Por exemplo, para T.R, dono de um selo de música instrumental, o fato de a maioria dos jornalistas dos cadernos culturais da imprensa escrita darem preferência para realizarem matérias sobre os artistas indicados por divulgadores particulares (os chamados assessores de imprensa) pode ser também considerado como uma forma de jabá3.
A rigor, de um ponto de vista estritamente jurídico, o jabá não é crime, no sentido em que não está descrito no Código Penal. No entanto, esta prática é vista como condenável do ponto de vista comercial, na medida em que viola a suposta autonomia estética da programação das rádios e televisões, o que acaba por gerar um processo de concentração de renda na área da música. Portanto, partiremos da hipótese que, devido a seu caráter ambivalente, as principais partes envolvidas no processo não assumem explicitamente a existência do jabá. Além disso, tanto as rádios quanto as televisões no Brasil são concessões públicas, o que implica em determinadas obrigações na atuação dos meios de comunicação, e o jabá, se efetivamente feito da forma como é normalmente citado, estaria em contradição com essas obrigações.
No entanto, desde 2003 tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 1048/03, do deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, que propõe a criminalização do jabá. O deputado, engenheiro elétrico por formação, é conhecido pela sua participação em questões que envolvem a democratização dos meios de comunicação, sendo um importante defensor das chamadas rádios comunitárias. A proposição dessa lei pode indicar um aumento do volume de práticas ilegais no que se refere às relações entre os meios de comunicação e a indústria musical, uma vez que este projeto de lei é um dispositivo à Lei nº. 4.117, de 27 de agosto de 1962, que Institui o Código Brasileiro de telecomunicações. Assim, podemos supor que essa mudança proposta no código penal é já um reconhecimento formal dessa prática.
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Nota: atualmente nao sei como esta a votação dessa lei no Congresso Nacional.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
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