terça-feira, 2 de março de 2010

Volta e meia me perguntam porque o Blues não faz sucesso.....bem, aqui vão algumas idéias sobre o assunto...

Na década de 80 tivemos um momento excelente para a formação de um mercado grande para o Blues. Havia um público jovem, consumidor, ávido por coisas novas, bem como rádios alternativas com audiência grande, tipo a Fluminense FM, no Rio, e haviam lugares para se tocar que atraiam esse público, como o Circo Voador.

Citei exemplos do Rio, porque sou daqui, mas com certeza condições semelhantes haviam em São Paulo, Porto Alegre e outras capitais importantes do Brasil.

Nesse contexto, 3 representantes do Blues surgiram com amplas possibilidades de sucesso. O primeiro foi Celso Blues Boy, que em 84 estourou aqui no Rio com “Aumenta que isso é rock’n roll” tendo inclusive feito participações no chacrinha e outros programas de massa.

Celso não tocava straight blues, não cantava em inglês e suas letras tinham um viés romântico que com certeza ajudaria a popularizar o gênero. No entanto sua guitarra tem uma pegada e uma “chorada” totalmente característica do Blues, fazendo assim um interessante híbrido sonoro.

Os outros dois artistas surgiram praticamente juntos, em 89, o Blues Etílicos (do qual faço parte) e André Cristovam, ambos lançando discos importantes pela gravadora Eldorado.

André já era veterano da cena de rock paulistana, mas foi com “Mandinga” que ele se tornou conhecido nacionalmente como um artista de Blues. No caso do Blues Etílicos, lançamos “Água Mineral” até hoje um dos discos de blues mais vendidos aqui no Brasil.

O som que esses três nomes faziam era muito distinto, o nome “Blues” é um genérico que comporta inúmeras diferenças estilísticas. Numa comparação esdrúxula, peguemos o genérico “Humanidade” pra entendermos que dentro de um conceito abstrato cabem infinitas diferenças de comportamento e maneiras de agir. O mesmo vale para estilos de música como “Blues”, “Rock”, “MPB” e por aí afora.

Ainda assim carregavam semelhanças estilísticas, os bends e fraseados típicos do gênero, mas principalmente o que tinham em comun é o fato de que compunham músicas próprias e cantavam em português, além do inglês, dois fatores importantissimos para que se crie um público grande em qualquer tipo de música.

O boom que o Blues teve no fim dos anos 80 no Brasil em grande parte se deve a essa soma de fatores, um público interessado no gênero e artistas que souberam traduzir para o português a linguagem do Blues e que ao mesmo tempo tinham seu próprio estilo de compor.

Nenhum dos três faziam Blues tradicional, e acho que pra se ter um blues brasileiro mais popular a mistura é não só saudável como fundamental, uma vez que existem gêneros que se fundiram bem com a música brasileira justamente porque souberam transformar a raiz de suas músicas em frutos brasileiros.

O Rock com a Jovem Guarda, Raul Seixas, Erasmo Carlos, Rita Lee, Barão Vermelho, Titãs, Paralamas e tantos outros.

A Bossa Nova, um gênero criado aqui, mas de inequívocas origens no Jazz americano, fundida com a batida e melodias do samba, e o Reguee, gênero que ate hoje cria sucessos em artistas como Armandinho, Cidade Negra, Gilberto Gil e muitos outros que usaram o estilo em suas composições. O Soul de Tim Maia, Wilson Simonal, Banda Black Rio, Ed Motta, Cassiano e por aí vai.

No entanto, no caso do Blues, as gerações seguintes, em linhas gerais não mantiveram essa linha seguida pelos 3 pioneiros, ou fizeram traduções literais das letras originais e suas melodias, perdendo assim o charme e a criatividade das misturas e a busca com os elementos já existentes no imaginário popular, com isso cada vez mais contribuindo para que o Blues fosse uma música de guetos, de iniciados no gênero.

Um ponto importante que deve ser destacado também, que contribuiu para que o Blues não crescesse mais, é que em meados da década de 90, surgiu no Brasil um movimento de valorização das raízes brasileiras, com isso, grande parte de uma geração de jovens passou a se interessar muito mais por Jackson do Pandeiro do que por Robert Johnson.

Artistas como Chico Science e Nação Zumbi, Raimundos , Lenine, Pedro Luis e a Parede e muitos outros começaram a chamar a atenção de um público enorme para as raízes da música brasileira, e esse público em grande parte não se interessava por gêneros de origem estrangeira.

Assim, o desafio para as novas gerações de músicos é conseguir criar um Blues mais criativo e que se identifique com a realidade de um número maior de brasileiros (sem perder o conhecimento e prática fundamentais que se requer pra se tocar Blues direito) passa pelas misturas com elementos já existentes na música brazuca. Não é obrigatório que se cante em português, mas é obrigatório que se tenha qualidade e criatividade! Vamos pesquisar mais, experimentar mais, ousar mais, criar mais, afinal pra isso que somos músicos.

Pode ser com o Rock, com o Reguee, com Baião, pode ser em inglês ou esperanto, mas deve ter qualidade, conhecimento de Blues e ousadia criativa.

Para finalizar, deve-se levar em conta que o mercado da música hoje em dia esta mais complicado, diluído, são pouquíssimos os artistas que conseguem ter demanda sem apoio estatal ou privado, e o Blues obviamente também sofre com isso, no entanto isso não esta no controle individual dos artistas, mas o tipo de música que fazemos e de que forma iremos fazer esta totalmente no controle individual de cada um.